Não é exagero dizer que olhar para trás é tão importante quanto olhar para frente para inovar na medicina e a história recente da reconstrução do LCA (ligamento cruzado anterior) é prova disso, já que a técnica, nas últimas quatro décadas, evoluiu de forma pendular.
Quando olhamos a medicina em perspectiva histórica, é possível afirmar que ela funciona como um pêndulo: métodos antigos são constantemente revisitados e apresentam soluções que, combinadas a recursos novos, mostram-se mais eficientes do que as técnicas em vigor. Por isso, olhar para trás é tão importante para inovar na medicina.
Esse é o caso da reconstrução do LCA, uma técnica que, nas últimas quatro décadas, passou por ao menos três grandes inovações.
No início da década de 1980, o ligamento cruzado anterior começou a ser reconstruído de fato. Usava-se a cirurgia aberta para a colocar o enxerto respeitando a posição anatômica do ligamento. A técnica precedente consistia em fazer reforços extra-articulares para estabilizar o joelho.
Da cirurgia aberta para a artroscopia
A cirurgia “aberta”, em fins da década de 1980 e início da de 1990, foi substituída pela artroscopia, um procedimento bem menos invasivo, com ganhos inegáveis à saúde do paciente, incluindo uma recuperação mais rápida, por oferecer menos danos a tecidos adjacentes da articulação.
Contudo a nova técnica substituiu a colocação do enxerto numa posição anatômica pela colocação dele de forma isométrica, posição em que o enxerto não se alonga nem se contrai ao longo de todo o arco de movimento do joelho.
Essa primeira técnica artroscópica era denominada de transtibial, pois começa pela construção de um túnel na tíbia para depois se construir o túnel femoral, nos quais o enxerto é fixado, conectando-se aos dois ossos e ajudando na estabilização da articulação.
Embora tenha sido um inegável avanço, a técnica transtibial, que se mostrava mais apropriada à cirurgia artroscópica num primeiro momento, impedia que o enxerto fosse fixado em sua posição natural.
O enxerto na reconstrução do LCA
Em meados da década de 2000, o ortopedista sino-americano, Dr. Freddie Fu, de quem tive o prazer de ser o auxiliar direto para assuntos científicos e de ensino na Universidade de Pittsburgh (Pitt.), realizava estudos com a finalidade de testar a eficiência do enxerto com dupla banda no lugar da banda simples, usado desde as primeiras reconstruções do LCA.
Seus trabalhos, porém, acabaram levando os cirurgiões do joelho a constatarem que o mais importante para tornar a técnica artroscópica de reconstrução do LCA mais eficiente era resgatar a colocação do enxerto de forma anatômica.
Chegava-se, então, o momento de casar o passado, representado pela colocação do enxerto em sua posição anatômica, e o presente, simbolizado pelas técnicas artroscópicas em constante avanço. Gerava-se, assim, o “futuro” que hoje vivemos, em que, por meio de cirurgias artroscópicas, é possível colocar o enxerto do LCA na posição natural.
Mais longevidade e saúde à articulação
No artigo científico que escrevi e publiquei em 2015, no Journal of Bone and Joint Surgery, intitulado “ACL Graft Position Affects in Situ Graft Force Following ACL Reconstruction”, mostro que, em uma reconstrução do LCA, a colocação do enxerto na posição anatômica, por meio de artroscopia, reproduz mais fidedignamente as forças que passam pelo ligamento do que na posição isométrica.
Na prática, isso significa que, anatomicamente inserido, o enxerto tende a conferir mais longevidade e saúde à articulação.